IProfessora Titular de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil
IIGraduanda em Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil
IIIGraduando em Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil
IVGraduanda em Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil
VDoutora, Pós-doutoranda da Universidade de São Paulo – USP, com bolsa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP – São Paulo (SP), Brasil
Endereço para correspondência
Há mais de 50 anos, vários estudos têm demonstrado que variações temporais e de freqüência no feedback auditivo podem diminuir o número de eventos de gagueira. Com a evolução tecnológica, foi possível minimizar o tamanho desses dispositivos e torná-los, aos moldes dos aparelhos auditivos, intra-aurais. Um dos melhores aparelhos conhecidos, comercializado sob o nome de SpeechEasy, tem sido amplamente distribuído pelo mundo.
Apesar do crescente interesse pelo aparelho, os autores desse artigo consideram que há poucos estudos publicados sobre os resultados do tratamento utilizando o SpeechEasy. O teste direto do aparelho é importante porque os resultados de estudos prévios são produto de pesquisas feitas com dispositivos de outras dimensões e menor sofisticação tecnológica.
O SpeechEasy e os demais aparelhos de alteração do feedback auditivo (FAA) diferem em três aspectos: o primeiro, seria porque, enquanto o SpeechEasy utiliza um microprocessador pequeno o suficiente para ser portátil, os aparelhos de outras dimensões utilizam processadores de sinais mais poderosos (essa discrepância é ainda maior para os testes com equipamentos laboratoriais). O feedback de freqüência alterada (FFA), em aparelhos de laboratórios, é produzido em escala logarítmica, preservando as relações harmônicas. Já o SpeechEasy aumenta os harmônicos de forma linear, por aumentos fixos de freqüência.
Uma segunda diferença refere-se ao ruído ambiental. O SpeechEasy foi desenvolvido para uso em ambiente real, que geralmente é ruidoso, sendo que o feedback é oferecido de forma monoaural. Já o FAA laboratorial oferece o feedback de forma binaural, em um ambiente com ruído atenuado. Como resultado, nos experimentos laboratoriais, os participantes ouvem somente suas próprias vozes de forma alterada, sem interferência de outros sons.
A terceira diferença deve-se às diversas instruções dadas aos participantes e usuários. Os usuários do SpeechEasy são orientados a focar sua atenção no sinal auditivo alterado e, de forma intermitente, a utilizar vogais prolongadas, especialmente no ataque silábico. Nos estudos prévios com FAA laboratorial, os participantes não recebem instruções específicas com relação ao feedback auditivo, e são orientados a não utilizar técnicas que pudessem ter aprendido em tratamentos fonoaudiológicos.
Enfim, o objetivo deste estudo é examinar o efeito do SpeechEasy sobre o número de eventos gagos, velocidade de fala e naturalidade de fala e comparar esses efeitos entre a leitura em voz alta e a fala auto-expressiva.
Por critérios de seleção que são detalhados no estudo participaram da pesquisa 31 adultos canadenses que gaguejam, de ambos os gêneros (11 mulheres e 20 homens). A idade dos participantes variou de 18 a 51 anos, com uma média de 27,7 anos. Com audição dentro dos limites da normalidade. Não houve grupo controle de fluentes e sim foram selecionados 30 adultos para avaliar a naturalidade de fala dos participantes.
As amostras foram gravadas em ambiente não-ruidoso, usando uma câmera de vídeo digital com microfone embutido. Os participantes escolheram em qual orelha seria colocado o aparelho, de acordo com a preferência. Os dados foram coletados durante o curso de uma sessão inicial de rotina com um cliente para demonstrar o produto. O design do estudo foi mantido o mais simples possível para assegurar que a coleta de dados fosse eficiente e minimamente invasiva. As amostras de fala foram gravadas sob duas condições: uma sem o aparelho (condição controle) e outra com o aparelho (condição aparelho). A gravação sem o aparelho precedeu sempre a com o aparelho, para evitar possíveis efeitos.
Para cada uma das condições de teste, os participantes produziram fala em dois contextos: leitura em voz alta e fala auto-expressiva. Para a prova de leitura, participantes leram em voz alta duas passagens de 300 sílabas cada, tiradas de textos científicos e de estudos sociais, sendo uma passagem diferente para casa condição. Para a prova de fala espontânea, pediu-se aos participantes para falar continuamente por três minutos sobre um assunto de sua escolha.
As amostras de leitura e fala auto-expressiva para a condição controle foram obtidas, antes que os procedimentos de adaptação do aparelho fossem implementados. Os participantes foram instruídos a ouvir atentamente ao sinal do feedback de voz alterada, e a tentar falar em coro com ele. Eles também foram orientados a prolongar as vogais, particularmente no início de um grupo respiratório, a fim de facilitar sua habilidade para iniciar um sinal vocal e, então, receber o sinal alterado como feedback enquanto falavam. O foco primário era que os participantes tivessem sua atenção sobre o sinal alterado, e o fonoaudiólogo freqüentemente checava este fator.
As amostras de fala julgadas com relação à naturalidade foram obtidas somente daqueles participantes que concordaram que suas falas fossem vistas em fórum público, para propósitos educacionais ou de pesquisa (14 de 31). Dois vídeos de 60s foram extraídos das provas de leitura e fala auto-expressiva, totalizando 28 vídeos. Os juízes foram reunidos em pequenos grupos de duas a três pessoas, que assistiram aos DVDs e assinalaram taxas de naturalidade. Quinze pessoas avaliaram a leitura, e outras 15 a fala auto-expressiva. Sessões foram realizadas em ambiente não-ruidoso.
Os resultados indicam que para os 31 participantes, houve uma redução marcante nos eventos de gagueira na condição aparelho, comparada à condição controle, para ambas a provas: 79% (leitura) e 61% (fala auto-expressiva). As auto-avaliações de severidade de gagueira foram compatíveis com os achados das medidas objetivas dos eventos de gagueira, e foram estatisticamente diferentes para as condições aparelho e controle, sendo que os efeitos foram perceptíveis. Com relação à velocidade de fala, houve um aumento estatisticamente significante, embora os valores dessa velocidade ainda estivessem abaixo daqueles esperados para a normalidade. Uma possível explicação apresentada pelos autores é a de que uma das instruções dadas aos participantes foi a de falar em coro com o sinal do aparelho.
Com relação à naturalidade de fala, os achados indicam que, enquanto as velocidades de fala foram mais baixas que o normal na condição aparelho, a qualidade de fala foi, contudo, percebida de forma positiva. Estatisticamente, a velocidade de fala apresentou correlação positiva com a naturalidade de fala, isto é, diminuições na velocidade de fala foram associadas à menor naturalidade de fala.
As conclusões do estudo indicam que o uso do SpeechEasy produz uma redução da gagueira, na forma que a pesquisa foi conduzida. Os autores sugerem que o SpeechEasy tem o potencial de ser uma intervenção viável para alguns adultos gagos. Entretanto, as médias globais de velocidade de fala na condição aparelho foram bem menores que os valores da normalidade, e uma completa eliminação da gagueira não foi associada a velocidades normais de fala. É ponderado que estudos futuros devem ser conduzidos, avaliando os efeitos a longo prazo e sob diferentes abordagens terapêuticas.
Fazendo uma reflexão sobre esse tema, no Laboratório da Fluência, Motricidade e Funções Orofaciais da Faculdade de Medicina da FMUSP (LIF-FMFO), o uso dos recursos de defasagem do feedback auditivo (DAF) em pessoas que gaguejam tem sido pesquisado há mais cinco anos. Nossa experiência com o SpeechEasy ainda está em andamento. O que podemos adiantar sobre o assunto é que: o paradigma do DAF é que ouvindo a fala lentificada, em milissegundos, haveria tempo para que o comando de feedforward se ajustasse e o produto final fosse uma fala fluente, ou mais fluente. Esse princípio parece ser real, até onde nossa experiência permite, existe uma melhora na fluência da fala, mas essa melhora se reflete em específicas tipologias de rupturas. As tipologias que são reduzidas são aquelas referentes à duração (repetições de sons, sílabas e prolongamentos). Os bloqueios não parecem sofrer influência do aspecto controlado pelo DAF. O SpeechEasy ainda apresenta um outro fator que deve ser controlado nas pesquisas que é a variação da freqüência. A maioria dos nossos participantes da pesquisa não considera a própria fala, sob efeito de freqüência variada, como uma fala pessoal e legítima. Essas considerações ainda não têm caráter científico, mas configuram que existem sub-tipos de gagueiras e que a variabilidade pessoal deve ser sempre observada.
Endereço para correspondência:
Claudia Regina Furquim de Andrade
R. Cipotânea, 51, Cidade Universitária
São Paulo – SP, CEP 05360-160
E-mail: clauan@usp.br